Tomaz Aquino
O sistema prisional brasileiro vive uma crise profunda. Superlotação, violência e reincidência são sintomas de um modelo que deixou de cumprir seu papel. Em vez de recuperar pessoas, as prisões convencionais muitas vezes funcionam como escolas do crime. Essa realidade exige coragem para mudar. Ou eu faço ou não acontece.
As Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs) surgem nesse contexto como uma alternativa sólida. Não são apenas mais uma experiência, mas um modelo já testado, com resultados consistentes e uma proposta baseada na dignidade humana. Ao contrário do sistema que apenas isola, a APAC oferece oportunidade real de recomeço.
Os dados confirmam a força desse método. Nos presídios comuns, mais de 80% dos presos reincidem. Nas APACs, esse índice cai para 13,9%. Entre mulheres, o número impressiona ainda mais: apenas 2,84% retornam ao crime. Isso não é acaso, é fruto de um trabalho estruturado que une disciplina, estudo, trabalho, espiritualidade e participação da comunidade.
Outro ponto decisivo é o custo. Manter um recuperando em uma unidade APAC custa cerca de um terço do valor gasto com um preso no sistema convencional. Ou seja, o modelo é ao mesmo tempo mais humano e mais eficiente financeiramente. Quando o poder público economiza, pode investir em áreas estratégicas como educação, saúde e prevenção da criminalidade. Ser esperança é melhor do que ter esperança.
Desenvolvidas em Minas Gerais há mais de 50 anos, as APACs mudaram a lógica do encarceramento. O preso passa a ser chamado de “recuperando”. Essa simples mudança de linguagem revela uma nova visão: o crime é rejeitado, mas a pessoa é valorizada. Trabalho, estudo, disciplina e apoio familiar compõem os 12 elementos que estruturam o método.
O papel da comunidade é essencial. Voluntários oferecem assistência espiritual e educacional, empresas abrem vagas de trabalho e famílias participam ativamente do processo. Essa rede de apoio rompe o ciclo de exclusão social e cria novas oportunidades de reinserção. A sociedade descobre, assim, que ninguém é irrecuperável.
Os números do sistema tradicional mostram um quadro alarmante. Em outubro de 2024, havia 663 mil presos para uma capacidade de 489 mil vagas, um déficit de 174 mil. Em 2023, foram registradas 3.091 mortes dentro dos presídios, sendo 703 por violência. A prisão, em vez de local de recuperação, tornou-se espaço de barbárie.
As APACs, ao contrário, constroem um ambiente onde a disciplina convive com a solidariedade e a responsabilidade. Não há policiais armados dentro das unidades, mas há respeito, regras claras e corresponsabilidade. O método prova que a confiança pode gerar mais resultados do que o medo.
Apesar dos êxitos, as APACs ainda não estão presentes em todos os estados. O desafio é ampliar o modelo sem perder a essência. Isso exige políticas públicas consistentes, capacitação de profissionais e incentivo à participação da sociedade civil. A fidelidade aos princípios fundadores é indispensável para evitar a descaracterização.
“Estou pronto para morrer, mas não tenho pressa”. Essa frase, que carrego como lema de vida, também traduz a urgência de agir com serenidade, mas sem omissão. Se queremos transformar a realidade, precisamos apoiar modelos que já demonstraram eficácia.
O sistema prisional brasileiro não precisa continuar fracassando. Há uma alternativa concreta, eficaz e humana: as APACs. Menos reincidência, menos violência, mais cidadania. É isso que está em jogo.
O futuro da justiça penal no Brasil passa pela coragem de reconhecer que punir, por si só, não resolve. É preciso recuperar. É preciso reinserir. É preciso acreditar que dignidade transforma. As APACs já provaram que é possível. Cabe a nós decidir se vamos permitir que essa experiência seja exceção ou se teremos a ousadia de torná-la regra.

Tomáz de Aquino Resende, advogado especialista em Terceiro Setor, ex-procurador-geral de Belo Horizonte e membro da Confederação Brasileira das Apacs.