(ESTE TEXTO PODE CONTER GATILHOS)
Na última semana, o caso de estupro da Mari Ferrer, ganhou ainda mais forças nas redes sociais e na mídia . Para quem não sabe sobre esse caso, a A influencer foi estuprada no Café de La Musique em Florianópolis, Santa Catarina em 2018 e acusa o empresário, André de Camargo Aranha como autor do crime.
O acusado foi absolvido e a maneira na qual Mari foi tratada pelo advogado de defesa de André, Claúdio Gastão da Rosa Filho, chegando em um momento dizer que a garota estava “fazendo um showzinho para ganhar seguidores no Instagram”.
Apenas no ano passado, segundo o Ministério da Saúde do Brasil, mais de 32 mil casos de abusos sexuais contra mulheres e crianças. A maioria das vítimas (53,8%) foram meninas de até 13 anos e de cada dez estupros, oito ocorrem contra meninas e mulheres e dois contra meninos e homens. A maioria das mulheres violadas (50,9%) são negras.
Em entrevista ao Delas, mulheres contam seus relatos de abusos que sofreram e também os motivos que muitas optaram não contar, alguns relatos, confira a seguir.
Se você mulher sofreu algum tipo de abuso sexual ou estupro, faça uma denúncia para o Disque-mulher (180). Se você não se sente confortável para procurar a polícia, saiba que existem coletivos que podem te ajudar. Você não está sozinha.
“Essa aqui está relutante”
“Eu comecei a dar rolê na noite muito cedo. Com 14 anos, andava com uma galera muito mais velha que eu. Um dia viramos na Augusta e, na volta, fui dormir na casa de uma amiga. Um carinha que eu achava bonito estava por lá também e foi dormir no mesmo colchão que eu. Eu estava alcoolizada e quase dormindo, quando senti que ele estava tentando passar a mão pelo meu corpo com todo mundo olhando.
Ele me beijava no pescoço e passava as mãos na minha virilha e no bumbum. Uma hora, ele virou para todos e disse: nossa, essa daqui tá relutante. Todos riram e ele demorou a parar de começar a me alisar. Não denunciei porque na época eu nem sabia que isso era algo a ser denunciado. Só contei isso a amigos próximos e meu companheiro, anos depois.” – Anônima
Série de abusos
“Sofri uma série de abusos sexuais ao longo da vida, assim como muitas mulheres. Minhas fases da vida são, basicamente, divididas em quais foram os abusadores de cada uma. O fato mais triste para mim, é que recentemente descobri em terapia que sofri pedofilia e meu cérebro apagou as lembranças mais sérias – embora a sensação de medo, nojo e sujeira permaneça. Tenho vivido uma luta para lembrar e, mais que isso, lidar com as lembranças e viver apesar delas.
Ser mais do que fizeram de mim. Foi meu avô paterno na época que morava comigo, mas há suspeitas de que meu próprio pai tenha participado desse horror. Ele sempre foi extremamente possessivo e tenho lembranças cortadas de me esconder embaixo da cama, de viver com medo, de me recusar a tirar moletom até mesmo no calor e fazer arranhões no corpo de agonia (de viver em minha própria pele).
O caso que tenho lembranças foi do meu primeiro namorado. O conheci pelo Facebook e trocamos mensagens por um ano – ele do Japão e eu do Brasil. Era bem novinha, devia ter uns 14 anos e ele tinha mais de 20 (e a cada vez ele falava uma idade pouco maior, na medida que nos envolvíamos). Foi um relacionamento abusivo. Ele controlava todos os meus horários, amizades, absolutamente tudo – e eu não conseguia sair, inclusive por medo. Quando nos encontramos, ele me levou até sua casa e me estuprou. Eu era virgem, eu achava que estava sendo conivente, mas não estava – tanto pela idade, quanto pela manipulação mental. O que sobrou foi uma enorme culpa, anos de terapia e sensação de desamparo.” – Anônima
Pegos em flagrante
“Eu estava no trem em um dia quente, de pé, e um garoto começou a tirar fotos por debaixo da minha saia. Foi em flagrante, então fui na delegacia. Um passageiro percebeu que o garoto tirava fotos minhas e gritou no vagão, saímos na estação seguinte e fomos acompanhados pelos guardas. Depois fomos pra delegacia, fiz a denúncia, mas tive muito medo” – Anônima
“Estava no Villa Mix (me envergonho de já ter frequentado esse lugar) e um cara começou a filmar por baixo da minha saia. Não sabia quem era o cara, só dei um soco na cara dele e corri pro banheiro chorar. Me senti muito mal e não denunciei.” – Anônima
Queria que tivesse justiça, mas ela falha
“Fui abusada sexualmente por um vizinho dos 3 aos 10 anos. Meus pais procuraram um advogado na época, porque eu era menor de idade. Eles abriram um processo na justiça. Tive que participar de uma audiência, foi horrível e ninguém me levava a sério por ser criança. No final, nada aconteceu com ele e eu tive que lidar com meus traumas sozinha. Sim, eu queria que houvesse justiça, mas infelizmente, ela é falha.” – Anônima
Ele não parou
“Eu estava transando com um ex, mas estava me sentindo desconfortável, então pedi para parar. Porém, ele não parou, me disse que já estava acabando, e continuou até ele se sentisse satisfeito. Não denunciei. Eu confiava nele, nunca pensei que um dia eu iria passar por isso, sempre pensei que fosse reagir de alguma forma, mas, na prática, é bem diferente. Até hoje me sinto meio confusa com isso e lembro de ter sentido medo na hora, de deixá-lo bravo/chateado e acabar com o namoro. Eu era bem insegura na época, mas hoje vejo o quanto sofri é o quanto foi errado. Nunca falei com ele sobre e pouquíssimas pessoas sabem dessa história.” – Anônima
Abuso infantil
“O primeiro foi quando tinha apenas 5 anos, de um colega de sala. Na época eu não sabia o que era, só sabia que não me senti bem. Ele e outros meninos colegas de sala ficaram passando a mão em minhas partes íntimas. Depois, o mesmo menino que incitou essa vez, fez isso de novo em outro momento. A medida que cresci, fui sofrendo outros abusos que se passavam apenas como pequenos sacrifícios para que os meninos gostassem de mim. Na época, perguntei perguntei aos meus pais se aquilo era uma brincadeira comum. Eles ficaram enlouquecidos com os meninos e com a escola, porque eu pedi ajuda mas ninguém ajudou.
Como a pessoa que abusou de mim tinha uma pequena deficiência no pé, tudo que ele fazia era velado porque ele ‘tinha problema’, então as freiras (era uma escola religiosa) não queriam falar com ele. Soube de outros casos de assédio que esse menino fez ao longo da vida, mesmo depois de ter crescido. Hoje em dia ele é da minha sala na faculdade (não sei como) e isso me causa pânico. Pelo menos com as aulas on-line não tive que conviver com ele.” – Anônima
Abusada no primeiro encontro
“Fui sair com um cara, primeira vez que vi ele. Ele decidiu ir no cinema comigo, começou a pagar as coisas, sendo que eu disse que poderia pagar o meu, até aí tudo bem. Mas ele foi se mostrando muito invasivo e mandava em tudo. Entramos na sala, e ele começou dizendo que eu era a namorada dele e eu achando ele meio estranho. Entramos na sala do cinema, ele começou a me beijar, e eu ok, mas depois de um tempo ele começou a me pegar de uma forma que eu não estava gostando, começou a me beijar a força, me pegava à força e eu só pedindo a Deus pra que ele não me machucasse.
Ele se tornou muito agressivo de uma hora pra outra, simplesmente me prendeu contra os braços dele, fazendo com que eu ficasse imóvel. Eu só implorava pra ele que não queria, dizia não várias vezes, mas mesmo assim ele continuou. Como ele me prendeu, ele começou a tocar nos meus seios e apertava, eu não tive reação, só dizia não e fechava os olhos. Ele me forçou tocar o pênis dele e o masturbar. Eu tirava a mão na hora que ele colocava a minha mão no pênis dele, ele forçava eu fazer isso.
Depois ele foi embora do nada, e eu fiquei sentada e não fiz mais nada, não tive reação, não olhei pra cara dele quando ele foi embora, eu não chorei, eu não gritei, eu fiquei ali sentada. Depois eu fui embora quando todo mundo saiu da sala de cinema, mas eu me senti sozinha, mesmo tendo pessoas naquela sala. Saí de lá com medo dele me pegar quando eu fosse embora. Eu senti muito medo, como nunca senti na minha vida. Mas eu simplesmente não fiz nada, não contei para ninguém, somente depois de 1 ano do ocorrido eu contei pra minha mãe, me senti culpada. Hoje em dia eu consigo falar do assunto.” – Anônima
“Punição”
“No meu último relacionamento, meu ex acreditava que eu era obrigada a ter relações sexuais com ele. Sendo assim, todas as vezes que eu recusava, ele continuava insistindo e se eu não cedesse ele transava comigo a força. Fora isso, usava sexo anal como uma forma de ‘punição’. Como, por exemplo uma vez em que bebi mais do que devia, e acordei com ele me estuprando para, de acordo com ele, ‘ver se eu aprendia a não beber assim’. Não denunciei porque ele me manipulava e ao mesmo tempo eu tinha sentimentos por ele que me impediam de fazer algo que fosse nos separar.”