“Eu chegava em casa drogado e me escondia dos meus pais, pois sentia vergonha. Quando eu saí da cadeia a primeira coisa que fiz foi ver os carros na rua. Eu senti falta daquilo”.
A frase, dita por uma aluna do primeiro ano de uma escola de Lagoa da Prata, gera uma reflexão profunda sobre uma realidade contundente e muito comum: o envolvimento com o mundo das drogas e o preço que se paga por isso.
Felizmente, a afirmação acima não é de autoria da própria estudante. É uma anotação feita de uma palestra, na verdade um bate-papo, que ocorreu em sala de aula recentemente. Seu autor, hoje recuperado e bem sucedido como empresário, trabalhando legalmente, contou aos alunos da escola Monsenhor Alfredo Dohr, como entrou no mundo do crime, como foi de um extremo ao outro, do suposto sucesso à decadência e o fundo do poço, como pagou sua dívida com a sociedade e o que aprendeu de lição em sua experiência de vida.
A conversa ilustrou de forma prática um trabalho que está sendo desenvolvido em sala de aula com o objetivo de desmitificar a imagem que alguns expoentes do narcotráfico passaram através de produções em vídeos, livros, filmes, histórias contadas com base nos pontos altos, naquilo que chama a atenção do grande público e que, por vezes, desconsidera o quão pode ser pobre (em diversos sentidos) e sofrida essa trajetória.
Perguntados sobre o que lhes chamou a atenção no depoimento do convidado, fica fácil perceber que o resgate dos valores éticos e morais é o ponto alto nas anotações dos alunos:
“O que ele passou dentro da cadeia e o fato da família apoia-lo”, diz uma aluna.
“A volta por cima que ele deu, o recomeço da vida dele depois de ter saído da cadeia”, afirma outra estudante.
“Quando a gente se arrepende dos nossos erros, a gente pode sim mudar nossa história”, conta outro aluno.
Olhando pro fundo
O depoimento foi feito pelo empresário conhecido como Toninho da Laje, ex-traficante de drogas e que hoje se destaca em seu setor de trabalho pela posição que alcançou como fruto de um trabalho honesto e dentro da lei.
A visita à escola encerrou o projeto de que tem um nome sugestivo: “Olhando Pro(fundo)”, trocadilho que faz alusão à análise critica sobre a situação de desespero, medo e abandono vivida por expoentes do mundo do crime que ficaram conhecidos em produções cinematográficas por seu estilo de vida glamoroso e irreverente, a exemplo do traficante brasileiro João Guilherme Estrella, que ganhou um filme sobre sua vida, “Meu nome não é Johnny”.
A proposta de enxergar os dois lados da moeda sob um olhar cético e analítico veio do professor de história lagopratenses, Di Gianne Nunes.
“Leciono na escola pública, na escola particular e no sistema prisional e notei que existem alunos que enalteciam a vida dos grandes traficantes retratados em séries, filmes e documentários. Os alunos enxergavam semelhanças entre essas pessoas e outros personagens da história, como os líderes do cangaço ou os senhores feudais medievais, por exemplo”, explica o professor.
Adrenalina e aventura midiáticas
“Muitos olhavam essas pessoas como cidadãos que de alguma forma venceram naquilo que se propuseram a fazer na vida. Muitos jovens entendem que esses traficantes midiáticos como Pablo Escobar ou El Chapo, além outros nomes conhecidos também aqui no Brasil, eram pessoas vitoriosas e corajosas”, discorre ele.
“Em razão disso, decidi propor aos alunos do 1º ano da Escola Estadual Monsenhor Alfredo Dohr a realização de um projeto para analisarmos com mais profundidade as histórias desses personagens e procurarmos aquilo que as produções cinematográficas não mostram”, continua.
Nas pesquisas, os alunos se depararam com o outro lado. Eles perceberam através de entrevistas de familiares dos traficantes já mortos ou recuperados, a rotina de tensão que foram suas vidas. O filho de Pablo Escobar, por exemplo, relatou em seus livros que sua família já chegou a passar fome, mesmo tendo muito dinheiro dentro de uma casa onde se escondiam, temendo serem pegos por cartéis rivais ou pela polícia.
“Esses momentos de tensão e terror eram muito mais comuns do que um banho numa piscina com tranquilidade, relata em suas entrevistas”, relata o professor Di Gianne.
No projeto, os alunos traziam da literatura e da pesquisa, frases impactantes para serem debatidas e confeccionavam estas passagens para apresentar para as outras salas.
“E assim a essência do projeto foi se estendendo. Escolhemos o nome ‘Olhando (Pro)Fundo’ para fazer uma analogia direta a respeito de uma análise com mais profundidade e ressaltando também o fundo do poço que não é a parte que é mais tratada nas produções que os enaltecem”, conta o professor.
Para fechar o Projeto, os alunos receberam a visita do Toninho da Laje, ouvindo a partir de um experiência pessoal que existe muita ilusão envolvendo o mundo que é narrado midiaticamente.
O vídeo a seguir mostra um pouco do trabalho dentro da sala de aula.
“Os alunos puderam perceber que não há vitória em hipótese alguma. Por fim concluíram que pelos exemplos citados e o maior legado deixado por essas pessoas, é sem dúvida o caminho que não devemos seguir”, conclui Di Gianni.