“Ó o gás!” Não, esse funk não é de autoria do compositor alemão Ludwig van Beethoven, que nasceu há 250 anos. A música que ele compôs e que algumas empresas de distribuição e venda de gás de cozinha aqui no Brasil adotaram para anunciar a chegada de seus caminhões nas vizinhanças é outra. Trata-se da clássica “Für Elise”, ou ainda em português, “Para Elise”.
Entre as características marcantes dessa música, aqui vão algumas: é tradicionalmente tocada em piano e também já foi bastante empregada como som de espera padrão em chamadas de telefone. É considerada ainda uma das mais famosas de Beethoven e populares no mundo. Em 2012, virou título de filme e aparece em cerca de outras 30 produções, tendo sido executada até mesmo pelo personagem Homer Simpson, em um dos episódios de seu desenho animado.
Usada para vender gás
A música, como sugere seu nome, surgiu como uma dedicatória e não porque Beethoven queria vender botijão. Aliás, “Für Elise” não tem nenhuma associação com gás de cozinha ou algo qualquer parecido. Ao que tudo indica, o motivo que a levou ser reproduzida pelos caminhões de venda de gás que rodam pelas cidades brasileiras, é porque eles precisavam de uma alternativa sonora menos barulhenta e que funcionasse para anunciar sua chegada.
Com a aproximação da década de 1990, esse assunto virou motivo de grande polêmica. Moradores, sobretudo de bairros residenciais, reclamavam das buzinas e gritos dos entregadores, que ao passarem de manhã pelas ruas, inclusive aos finais de semana, acordavam todo mundo.
Para contornar esse constrangimento com os consumidores, mas sem prejudicar a venda dos botijões, as empresas de gás então começaram a pensar em estratégias. Tocar a campainha das casas soava meio arriscado, mas e se fosse emitida, a longa distância e com um volume não muito alto, alguma melodia delicada? A ideia pareceu muito boa e pouco a pouco os veículos de entrega domiciliar se modernizaram e receberam sistemas eletrônicos de som.
Não confunda as melodias
A iniciativa de colocar música nos veículos teria partido da Ultragaz. Em 1989, a empresa encomendou uma música com identidade própria que lançou junto com uma campanha na TV para apresentar à clientela como reconhecer a chegada da sua frota. Batizado de “Sinos das Ruas”, o tema fez tanto sucesso que as vendas de gás dispararam. Foi ainda tão copiado, que a voz da cantora Vânia Bastos precisou ser acrescentada a ele para enfatizar: “Ul-tra-gazzz”.
A concorrência então partiu para encontrar versões que não fugissem tanto desse estilo e, entre as alternativas, a consagrada “Für Elise” acabou adotada. Mas, de novo, teve gente que não curtiu ser acordado pela manhã ao som de melodias e reclamou, inclusive às autoridades. Como resultado, algumas regiões aprovaram leis para frear o problema e garantir o sossego.
A música da Ultragaz mistura violinos, flauta e o timbre metálico de botijões de gás. Seu criador, o músico brasileiro Hélio Ziskind também compôs temas para programas da TV Cultura, como Roda Viva, Glub-Glub e Castelo Rá-Tim-Bum. Em 2013, inspirou o “Funk do gás”, que viralizou na internet e depois virou hino de carnaval. Até a Ultragaz entrou na brincadeira e gravou coreografias ao som dele. Desde então, “Olha o gás”, como diz sua letra, é “a dança do momento”.
E a Elise de Beethoven?
De volta à música de Beethoven, ela também entrou para a cultura popular dos brasileiros, mas quase ninguém sabe sua história. Na verdade, ninguém sabe no mundo. “Elise” teve seu nome imortalizado pelo compositor, que queria presenteá-la, mas sua identidade é um mistério. A obra, composta em 1810, estaria acompanhada apenas de uma dedicatória sem muitos detalhes que dizia o seguinte: “Para Elise em 27 de abril em recordação de L.v. Bthvn”.
Uma teoria difundida por Ludwig Nohl, que descobriu e publicou a música de Beethoven, e Max Unger, musicólogo que assim como Nohl se dedicou a estudar tudo sobre o compositor, é que Elise seria Therese Malfatti. Segundo os dois, o manuscrito original de “Für Elise” esteve em posse de Malfatti, que foi aluna, amiga e uma suposta paixão de Beethoven. Ela teria “virado Elise” por um antigo erro de interpretação da escrita garranchosa de Beethoven (o que já aconteceu) ou talvez para que Malfatti não tivesse problemas, já que estava noiva de outro.
Porém, as especulações não param por aí. No final dos anos 2000, o musicólogo alemão Klaus Martin Kopitz sugeriu que Elise pudesse ser Elisabeth Röckel. Ele descobriu que o apelido da cantora era “Elise” e que ela, embora comprometida, frequentava noitadas com Beethoven, de quem era amiga e poderia ser amante. Por fim, em 2014, a musicóloga canadense Rita Steblin lançou a hipótese de Elise ser Elise Barensfeld, a quem Beethoven poderia ter conhecido por meio de Malfatti, que era sua vizinha e suposta professora de piano.
Fontes: Sites Encyclopædia Britannica; helioziskind.com.br; ultragaz.com.br; programa televisivo “Ritmo Brasil”, da Rede TV; e livros “The Cambridge Companion to the Piano”, de Dorothy de Val; “Beethoven e Therese von Malfatti”, de Max Unger; e “Beethoven and His World: A Biographical Dictionary”, de H.P. Clive.