Com eventos suspensos, casas noturnas fechadas e bares que funcionam com horário e capacidade reduzida de pessoas — sem a permissão para shows —, músicos independentes tem sofrido para se reinventar e conseguir se sustentar financeiramente durante o período de pandemia , já que a profissão autônoma tem como essência a necessidade de público e, por consequência, aglomeração de pessoas.
Márcio José, conhecido na noite paulistana como Marcinho , tem 41 anos. Destes, 23 dedicados à música, de onde sempre tirou o ganha-pão. O percussionista, que tem no samba e no pagode os seus gêneros predominantes, já trabalhou com figuras consagradas da música, como Netinho de Paula, Belo e grupos como Sambô e Banda Black Rio. No entanto, não se apresenta em palcos desde o dia 15 de março e tem buscado alternativas para pagar as contas.
Apesar de eventualmente participar de lives — tendência que cresceu em 2020 por causa da proibição de shows presenciais —, o que tem principalmente ajudado o músico financeiramente é a venda de salgados e a ajuda da mulher, que trabalha como manicure e pôde, recentemente, retornar à sua atividade profissional.
Márcio relata que a ideia de vender os salgados surgiu de maneira inusitada: “Estava com vontade de comer empada e minha mulher resolveu fazer. Ficou melhor do que imaginávamos, o pessoal gostou e então começamos a vender”.
“Não é muita coisa, mas sempre tem algum pedido. Algumas semanas mais, outras menos, mas isso tem nos ajudado há uns dois meses. Minha mulher também voltou a trabalhar como manicure. O pessoal tem perdido o medo e ela está conseguindo retomar a clientela. Então assim a gente vai se virando como dá, pagando o aluguel atrasado, renegociando, mas não falta nada em casa”, diz o músico.
Sobre as lives, o percussionista diz que acabam funcionando mais para divulgação do trabalho do que para sustento.
“Muitas vezes é um projeto que não tem muito patrocínio, então a gente recebe só uma ajuda de custo , não é um valor cheio como recebíamos nas apresentações. Não tem giro semanal. Então temos que correr para outros lados”, afirma.
Ele até chegou a solicitar o Auxílio Emergencial , mas teve o benefício negado. “Eu não entendo. Já conheci pessoas que se cadastraram e nem precisavam receber, mas receberam. Mas é assim, vamos segurando a onda, vendendo uma coisa aqui, outra ali.”
Felipe Ribeiro , 32 anos, é músico e pintor. “Meu trabalho é bem mesclado, entre o autoral e as versões dos clássicos populares”, se apresenta.
Acostumado a se apresentar em teatros e centros culturais, o carioca da barra da tijuca não sobe em palcos desde o dia 8 de março. O artista diz que não se adaptou ao modelo de shows remotos.
“Recorri [às lives] no início da pandemia, mas logo não me adaptei, o contato olho no olho e o calor humano são essenciais pra mim. Depois, acabei fazendo lives de entrevistas com alguns amigos e colegas de profissão, o que curti mais”, afirmou o músico que, ao longo de anos, sustentou sua carreira e suas despesas com a ajuda de um comércio varejista que mantém.
Sem apresentações, Felipe tem tido dificuldades para se manter financeiramente, mas entende a necessidade de suspender as atividades e torce para que a situação passe logo.
“As medidas são necessárias, sabemos que o contágio em ambientes fechados e com aglomerações é muito maior, então torcemos por uma vacina . Para mim, as principais dificuldades são a impossibilidade de exercer minha arte e o fato de não conseguir me manter financeiramente com minha profissão”, lamenta.
Bruno Manteiga é guitarrista de uma banda de rock. O grupo, batizado de Os Manteiga’s , costumava se apresentar em casas de shows, Bares, formaturas, casamentos e eventos corporativos.
“Nosso último show foi há 4 meses. Estávamos com muitos shows marcados até o fim do ano. Muitos eventos particulares, formaturas”, diz o músico, que teve que lidar com o cancelamento dos eventos.
O guitarrista, porém, tenta ver o lado bom da situação, com o aumento do engajamento da banda nas redes sociais.
“Nos juntamos à onda de lives. Não tinhamos esse costume, mas confesso que a experiência trouxe coisas boas: nos aproximamos dos fãs. Pessoas que nunca viram nossos shows, agora não perdem uma live. O número de seguidores nas redes sociais também aumentou. Sem dúvidas, isso nos ajudou nesse tempo de isolamento. Tanto que pretendemos continuar com as lives, mesmo após esse período de pandemia.”
O rockeiro sente saudades dos palcos, do calor humano e da experiência com os amigos da banda. Segundo ele, isso não há como substituir.
“Mas existem também outras dificuldades do cotidiano… Como não tem shows, o investimento financeiro cai. Tínhamos uma assessoria de marketing, mas tivemos que suspender e voltar a tomar conta do processo.”
Para lidar com as despesas, Bruno conta que a banda recorre a um fundo financeiro que reservam há algum tempo.
“Estamos nos virando com a reserva financeira que fizemos, mas estamos bem preocupados, já que não entra dinheiro algum”, explica. “Temos algumos eventos cotados para os próximos meses e shows agendados para o início do ano que vem. Creio que devemos voltar a ativa daqui uns 2 meses . Que o melhor nos aguarde.”
Na última sexta-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro editou uma MP que autoriza o repasse de R$ 3 bilhões a estados . O crédito tem finalidade de ajudar o setor cultural em meio à pandemia. O Congresso Nacional tem 120 dias para aprovar.