Obra exclusiva retrata colaboração cultural do Brasil na Segunda Guerra Mundial

LUIZ CARLOS CHAGAS (foto) é lagopratense radicado em Londres (Inglaterra) há mais de 23 anos e atualmente é Gerente de Projetos Culturais da Embaixada do Brasil. A doação do livro para a Biblioteca Municipal de Lagoa da Prata marca a realização da 2ª Festa Literária de Lagoa da Prata que aconteceu na primeira semana de outubro de 2019.

O Jornal O Papel entrevistou o doador com exclusividade, acompanhe:

O PAPEL – Por que você decidiu efetuar a doação dessa obra literária para Lagoa da Prata?

LUIZ: Principalmente porque a estória publicada neste livro no qual trabalhei, relembra e engloba aspectos educacionais nas áreas de história da arte brasileira, diplomacia e relações internacionais que aconteceram entre duas nações e que culminou com uma exposição de arte em Londres em 1944.

- Anúncio -

Todos sabem que o Brasil foi o único país da América Latina que em 31 de agosto de 1942, após ataques a navios mercantes brasileiros por submarinos alemães, declarou estado de guerra e se juntou aos Aliados na Segunda Guerra Mundial para libertar a Europa do nazifascismo. Aproximadamente 25 mil soldados brasileiros lutaram principalmente na Itália, inclusive bravos conterrâneos.

Este livro é uma publicação única e exclusiva do Ministério das Relações Exteriores por meio da Embaixada do Brasil em Londres (somente mil exemplares foram impressos) e que revela uma outra contribuição do Brasil aos Aliados de Guerra que ainda é desconhecida pela grande maioria do público brasileiro. O Brasil além de enviar soldados para a guerra, enviou também obras de arte. Ou seja, contribuiu também de forma cultural.

O PAPEL – Qual a sua participação nesta obra literária?

LUIZ: Trabalhei como líder da equipe de produção deste livro por um período de três anos de pesquisa.

Paralelamente a este trabalho de pesquisa desempenhamos atividades logísticas preparatórias para a abertura ao público da exposição que também dá nome ao livro intitulada: “The Art of Diplomacy: Brazilian Modernism Painted for War” (A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro Pintado para Guerra) e que aconteceu na Embaixada do Brasil em Londres entre 6 de abril a 22 de junho de 2018.

Esta exposição que aconteceu no ano passado teve como objetivo primordial resgatar esta estória muito interessante sobre a arte moderna brasileira que aconteceu 74 anos atrás para o público Britânico e europeu do século 21.

Luliz Carlos Chagas, um lagopratense na Embaixada de Londres. Na foto, conferindo as condições físicas de obra-de-arte após entrega para a exposição.

O PAPEL – Como aconteceu esta iniciativa de contribuição cultural dos artistas brasileiros aos Aliados de Guerra, mais especificamente à Inglaterra?

LUIZ: Em 1944, um grupo de artistas brasileiros mais proeminentes doaram seus trabalhos para o Fundo Benevolente da Força Aérea Britânica (Royal Air Force Benevolent Fund) para que então fosse feita uma exposição para arrecadar fundos. O recursos financeiros arrecadados seriam então usados em apoio aos soldados britânicos que estavam retornando ao Reino Unido após combate na frente de guerra da qual o Brasil fazia parte. Ou seja, como resultado desta doação de obras de arte ocorreu então em Londres a primeira exposição coletiva de arte moderna brasileira no Reino Unido.

O PAPEL – Quais foram os principais artistas que fizeram estas doações?

LUIZ: Dentre outros, Roberto Burle Max, Tarsila do Amaral, Cardoso Júnior, Emiliano Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Milton DaCosta, Clóvis Graciano e Lasar Segal.

O PAPEL – Como aconteceu o transporte destas obras do Brasil para Londres em tempos de guerra?

LUIZ: O Ministério das Relações Exteriores com o apoio do escritório do Conselho Britânico (Bristih Council) no Rio de Janeiro enviou as obras por meio de navio para Londres, foi uma estratégia de risco porque navios brasileiros estavam sendo bombardeados por alemães, mas felizmente o envio foi bem sucedido.

O PAPEL – Onde e em que condições esta primeira exposição coletiva de arte moderna brasileira aconteceu em Londres?

LUIZ: Muitíssimo interessante este aspecto das relações internacionais entre os dois países e que descobrimos nas pesquisas por meio de documentos antigos que ainda se encontram no Arquivo Nacional Britânico (British National Archives).

Quando as obras chegaram com sucesso em Londres, o próximo passo seria então definir um local onde esta exposição do acervo brasileiro doado pudesse ser exposto e vendido.

Em Londres naquela época a Galeria Nacional (National Gallery) estava fechada, a galeria Tate Modern estava bombardeada e a única opção de local para expor os trabalhos naquela ocasião foi então a Academia Real de Artes (Royal Academy of Arts) e a chefia da época não tinha nenhum conhecimento do que estava sendo produzido no Brasil em termos de arte moderna, pois o foco deles até então era somente arte europeia.

Neste contato inicial com a Academia Real de Artes inglesa, com o objetivo de realizar a exposição naquele local, foram enviados alguns exemplares das obras doadas para avaliação deles. Mas como mostram os documentos antigos em troca de correspondência entre o escritório central do Conselho Britânico (British Council) em Londres e a Academia Real de Artes, eles simplesmente esnobaram as obras de arte brasileiras dizendo que não eram boas o suficiente para se fazer uma exposição naquele local.

Quadro de Roberto Burle Marx Retrato de um Homem Jovem

Mas, foi aí então que, a diplomacia brasileira da época entrou em ação e após uma “torcida de braço diplomática” a Academia Real de Artes aceitou realizar a exposição dos trabalhos brasileiros contendo mais de 160 objetos, e leiloar as obras. A montagem da exposição e leilão das obras aconteceram dentro de um período de um mês somente. Algo inédito na história da Academia Real de Artes.

O PAPEL – Como a exposição de 1944 foi vista pelo público Britânico daquela época?

LUIZ: Após a relutância inicial da Academia Real de Artes mencionada anteriormente, a exposição foi considerada um sucesso ab-so-lu-to. Sucesso principalmente porque a Rainha Mãe (Mãe da atual Monarca) visitou a exposição. Milhares e milhares de visitantes foram ver as obras brasileiras. A exposição percorreu ainda por outras grandes cidades da Inglaterra e Escócia após deixarem a Academia Real de Artes em Londres.

O PAPEL – Fale um pouco sobre a exposição de 2018 “The Art of Diplomacy: Brazilian Modernism Painted for War”, quantas obras foram expostas nesta versão moderna em homenagem à exposição de 1944, onde e em que condições estas obras se encontram hoje.

LUIZ: Foi um trabalho fascinante de pesquisa para descobrir a atual localização destas obras e quais seriam os atuais donos.  Dos mais de 160 trabalhos de arte doados inicialmente ao Fundo Benevolente da Força Aérea Britânica, somente 40 ficaram no Reino Unido.  As demais obras tiveram destinos diferentes, umas voltaram para o Brasil, outras estão espalhadas pelo mundo como nos Estados Unidos e em outros países da Europa.

Na exposição do ano passado focalizamos nosso trabalho somente nas obras que permaneceram no Reino Unido. Das 40 obras remanescentes da exposição de 1944 tivemos que restaurar algumas e elas hoje pertencem a museus e galerias de arte britânicas. Estas obras hoje estão em bom estado de conservação, são super valiosas e desejáveis.

Quadro de Lasar Segall chamado Lucy com a flor

Par manter a ligação com a família real Britânica, na exposição do ano passado também tivemos uma visita Real. Príncipe Andrew passou parte de uma manhã revendo parte das obras de arte brasileiras que sua avó havia apreciado 74 anos atrás. Na ocasião ele foi presenteado com uma cópia deste mesmo livro que agora faz parte do acervo da biblioteca de Lagoa da Prata.

Um aspecto também interessante sobre este livro é que ele fará parte da coleção de livros raros da biblioteca municipal. Na composição da capa do livro tem-se uma réplica idêntica do livreto que foi originalmente impresso em 1944 para divulgar a exposição brasileira naquela época. O que impressiona é o tamanho do livreto, pois àquela época havia escassez de papel.

O PAPEL – O livro é escrito em Inglês ou Português?

LUIZ: O livro é escrito em Inglês, pois o objetivo da Embaixada do Brasil em Londres é promover a cultura brasileira para os Britânicos e Europeus. Mas há vários artigos impressos e entrevistas televisivas em Português que podem serem lidas e assistidas por meio do website www.theartofdiplomacy.com e que contam em detalhes esta estória maravilhosa. O livro tem um alto padrão de qualidade e de interessante manuseio mesmo para os leitores e usuários que ainda não tem o conhecimento da língua inglesa.

O PAPEL – Em resumo, quais seriam os fatores relevantes sobre esta exposição de obras modernistas brasileiras realizada em 1944, com a exposição realizada no ano passado e a publicação deste livro?

LUIZ: Em contraste direto à percepção inicialmente negativa sobre arte brasileira ocorrida em 1944, hoje no Reino Unido existe muitos apreciadores e experts Britânicos que estão muito bem equipados para discutir arte Brasileira em profundidade. O livro revive esta história e registra esta evolução da consciência Britânica que passa a ver de maneira positiva a arte brasileira.

Quadro de Roberto Burle Marx Paisagem

O PAPEL – Qual a importância da publicação deste livro sobre arte moderna brasileira na Europa?

LUIZ: Londres é considerada o principal ponto difusor e criador de arte na Europa onde renomados artistas Europeus como Van Gogh e outros viveram e buscaram inspirações no passado. Em adição, a cidade tem incontáveis instituições de ensino superior sobre arte onde estudiosos atuais desta área buscam aperfeiçoamentos.

Galerias famosas como a Sotheby´s etc também tem seus espaços cativos na capital Londrina.  Foi durante a exposição do ano passado que recebemos inúmeras visitas de representantes destas instituições e a Embaixada doou exemplares deste livro como ponto de referência para estudiosos que buscassem conhecimento especializado sobre a história da arte brasileira nas respectivas instituições.

Quadro de Cândido Portinari: A Boba antes de ser fixado para a exposição

O PAPEL – Em quais projetos você vem trabalhando para realização ainda este ano?

LUIZ: Antes de viajar para o Brasil para visitar meus familiares e amigos, contribui junto com meus colegas do Setor Cultural da Embaixada para realização da exposição de obras do artista Ivan Serpa (Ivan Ferreira Serpa) que ficou exposta ao público entre setembro e outubro. Para o mês de novembro voltaremos com a nossa competição de artes visuais chamada Via Arts Prize em sua quinta edição e que realizamos em parceria com as representações das Embaixadas Latino Americanas, Portugal e Espanha localizadas em Londres.

O PAPEL – Você tem alguma ambição de publicar obra literária própria?

LUIZ: Interessante você me perguntar isto. Tenho muitas estórias que vivi enquanto trabalho para a Embaixada do Brasil em Londres nestes últimos 11 anos. Convivi e ainda convivo diretamente com Embaixadores, diplomatas e oficiais do alto escalão tanto do governo brasileiro em visita a Londres, assim como oficiais britânicos e estrangeiros em visita à Embaixada. Os assuntos abordados nestas interações com autoridades são bem variados, enriquecedores e surpreendentes. Em resposta direta à sua pergunta, termino com aquele velho ditado brasileiro e que tem versão idêntica em Inglês: Nunca fale nunca – Never say never.

Muito obrigado pelo convite para registrar este momento especial no seu respeitado Jornal.

Capa do exemplar doado à Biblioteca de Lagoa da Prata
- Anúncio -