Em 2018, na véspera das eleições presidenciais, Jair Bolsonaro levou uma facada na barriga. Por causa da lesão no intestino, o então candidato passou a usar, temporariamente, uma colostomia — que ficou mais conhecida, de forma bastante pejorativa, como “bolsa de cocô”. Pessoas colostomizadas, que nunca tiveram espaço para falar sobre a questão, ganharam memes e piadas sobre sua condição gratuitamente na web.
“Esse meme confirma todo o preconceito que pessoas com colostomia sofrem na vida delas. A partir do momento que eu tenho uma colostomia, que eu falo abertamente sobre isso, que eu mostro que eu vou à praia com a bolsa ali, as pessoas me julgam muito como uma pessoa nojenta, estranha, como uma pessoa que deveria ter ficado em casa ou que não deveria estar mostrando (a bolsa) assim em público”, diz Lorena Eltz , de 20 anos de idade e colostomizada desde os doze. “Eu não sei em que momento as pessoas achavam que era só o Bolsonaro que usava bolsa e não pararam para pensar que outras pessoas também podiam usar”, afirma a influenciadora digital em vídeo postado em suas redes.
Lorena, que mora em Gravataí, no Rio Grande do Sul, faz vídeos para a Internet desde 2015, mas apenas há dois meses decidiu revelar para os seus quase 200 mil seguidores no Instagram que usa uma bolsinha de colostomia por causa da Doença de Crohn — uma doença intestinal inflamatória e crônica que afeta o revestimento do trato digestivo e que pode variar de leve a grave. No caso de Lorena, ela teve que fazer uma exteriorização no abdome de uma parte do intestino grosso para construir um novo trajeto para a saída de fezes — a colostomia, que ela deve usar para o resto da vida se “não inventarem algo até lá”.
Ao iG Delas, a influenciadora falou mais sobre o assunto. “Antes de ter a bolsa, eu não sabia praticamente nada sobre o assunto. Como era 2012, eu não tinha acesso à Internet ainda, nunca tinha visto falar na televisão sobre. Meu médico explicou como ela funcionava, mas eu entendi mesmo com o passar dos dias”, afirma Lorena, que demorou cerca de um ano para de fato se acostumar com a colostomia.
“Agora ela é parte de mim. O SUS tem programas nos quais enfermeiras ensinam a mexer na bolsa e você pode receber os materiais pelo governo também, que é o que eu faço”, lembra a jovem. Ela ainda explica que é importante escolher o modelo de bolsa ideal, já que alguns tipos podem provocar algum tipo de incômodo, como alergia ou dores.
Lorena criou o seu canal para poder se distrair e fugir do ambiente hospitalar, com o qual ela já estava acostumada desde que nasceu. No início, a ideia era falar sobre outras questões que não fossem a sua doença. Mas, logo em seguida, ela teve que passar por um transplante de medula por causa da Doença de Crohn e acabou abrindo seu canal para este assunto — mas ainda sem nem sequer citar que usava a colostomia.
A influenciadora, que é lésbica, diz que estava cansada de sempre ter que ter a fatídica conversa sobre a bolsinha com as namoradas antes do relacionamento avançar para algo mais íntimo. O processo até de fato revelar a colostomia em suas redes sociais foi longo, durando mais de um ano. “Eu tinha muito medo, achei que iam parar de me seguir, que minhas amigas iam me deixar. Tu se sente invisível para a sociedade”.
“Diariamente eu recebo comentário de pessoas que usam a bolsa e que se sentiram motivados com a minha postagem. Teve gente, inclusive, que fez perfil e tá postando foto na internet depois que eu postei”, comemora Lorena, que serve de inspiração para várias pessoas que são colostomizadas.
Por outro lado, comentários ofensivos também existem. Mas a influenciadora afirma que não são maioria. “As pessoas não entendem como funciona e acabam fazendo umas perguntas indelicadas. Mas isso eu não tenho problema nenhum. Respondo com todo cuidado que eu puder. Sei que, como não é falado, é algo estranho”.
Vale lembrar que quem usa a colostomia é considerada pessoa com deficiência e, por isso, deve cobrar os seus direitos. “Várias vezes já fui xingada por usar o banheiro preferencial, que é uma das coisas que eu mais uso. Vou só no preferencial porque as pessoas julgam demais minha colostomia no banheiro normal. Elas não entendem que eu preciso fazer curativos, que eu preciso esvaziar minha bolsa e, às vezes, isso vai dar algum cheiro”, afirma a influenciadora.
Lorena tem vários conteúdos sobre o assunto em seu canal no Youtube e em sua conta no Instagram . Para além da colostomia, a influenciadora também comanda o podcast “2000 e Poucos”, que tem como público-alvo os “jovens que estão se tornando adultos”.