Uma coisa engraçada que percebi enquanto crescia é que o corpo da mulher gorda nunca era celebrado. Claro que aparecia de tempos em tempos uma personagem gorda em um filme ou série, mas nunca na condição em que o corpo dela fosse mostrado como um corpo bonito.
Fui crescendo achando que meu corpo era feio e que eu tinha que fazer de tudo para escondê-lo. Eu usava roupas largas e andava me encolhendo. Na minha cabeça, o corpo de uma mulher nua gorda era algo impossível de ser mostrado.
O mesmo aconteceu com Milena Paulina, 25 anos, conhecida nas redes sociais por seu trabalho fotográfico, o projeto Olhar de Paulina. “Eu não tenho um corpo padrão, quando eu comecei a fotografar, eu nem sabia direito o que eu estava fazendo. Eu tinha comprado minha câmera para fazer fotos de paisagens melhores, aí eu comecei a fotografar pessoas e fui vendo que era muita troca. Comecei em 2016, trocando ensaios fotográficos por outras artes”, conta a fotógrafa em entrevista ao Delas.
Paulina lembra que em nenhum desses ensaios as modelos tinham o corpo parecido com o dela. Isso mudou quando ela viu o ensaio de uma mulher gorda nua pela primeira vez. Aquilo a dominou completamente e ela também queria ser a pessoa da foto.
“Naquela época eu tinha medo de fotografar, eram muitos homens que faziam ensaios nus. Aí eu comecei a pensar que eu queria uma fotografia mais representativa, onde eu pudesse me enxergar, onde eu pudesse me fotografar, onde eu pudesse ser a protagonista. Foi quando eu comecei a procurar mulheres gordas para fotografar, sem intenção nenhuma, só querendo ter mais representatividade. Foi assim que meu primeiro projeto nasceu o ‘Eu, Gorda’”, explica.
Eu, Gorda
O projeto começou em 2017. Paulina rodou o Brasil para fotografar (e enaltecer) a beleza de corpos que antes eram escondidos e marginalizados pela sociedade. O projeto que durou dois anos e fotografou mais de 300 pessoas.
A entrevistada conta que quando começou as fotos do “Eu, Gorda” havia poucas pessoas que fotogravam corpos gordos nus e que a recepção foi muito boa, tanto das pessoas que participavam do projeto, como dos seguidores.
“Eu recebo muitas mensagens de pessoas até hoje de como ver as fotos ajuda no processo interno das mulheres, cada um tem seu tempo, seu processo, sua caminhada e só quem tá ali vendo as fotos sabe como aquilo vai atingir elas. Outro dia eu recebi uma mensagem muito fofa de uma moça que tinha muita dificuldade com a imagem dela, mas toda vez que ela se olhava no espelho, ela procurava mais se olhar com o ‘Olhar de Paulina’”, recorda.
Durante o período de isolamento Milena começou um novo projeto: o Nus Cômodos. Como ela não poderia encontrar as pessoas para fotografar, mas queria continuar contando as histórias das pessoas, começou a fazer ensaios remotos e foi um sucesso. “É um projeto totalmente sem custo e as pessoas se inscrevem para participar. Junto tem uma campanha de financiamento coletivo, todo meu dinheiro vem da fotografia, tudo relacionado a fotografia é meu único sustento”.
O ódio velado
Apesar de receber muito apoio e carinho nas redes sociais, existe um ou outro comentário maldoso, que Milena trata logo de apagar e bloquear. Mas, em setembro de 2019, um acontecimento marcou a vida da fotógrafa: sua conta no Instagram foi desativada.
“Grupos de ódio vêm denunciar minha conta, porque eles não gostam do meu conteúdo. É um hate velado, pessoas que não querem meu bem e apreciar meu trabalho, no primeiro desconforto, algo que passa o limite delas, elas vão lá e denunciam minhas fotos”, desabafa.
Apesar de ter ficado muito mal, Milena fez outra conta e voltou a expor seu trabalho. Contudo, a conta já foi desativada duas vezes por conta das denúncias dizendo que o conteúdo era impróprio para o Instagram.
“Já teve vários casos de o Instagram responder sobre minha denúncia e dizer que não pode fazer nada. Eu sempre tomei cuidado na hora de postar, mas eu já tive foto de rosto que foi apagada porque alegava ter nudez”, conta. Ela acrescenta: “Eu tenho pena das pessoas que fazem isso. A gente vê que é um reflexo de ódio, a pessoa odeia a imagem dela e ela quer ferir o outro”.
Milena acredita que essas denúncias acontecem muito porque as pessoas ainda têm um certo preconceito ao falar dos corpos que não são o padrão que estamos acostumados. “Só de a gente falar do corpo gordo, vem todo aquele discurso de que eu estou romantizando a obesidade. Não é isso. É falar da existência de pessoas que foram apagadas, que as pessoas não sabem como é a nudez de um corpo gordo que é marginalizado. Eu mesma não sabia, por exemplo. A gente tem alguns poucos corpos que foram pintados, ou os corpos patronizados que ficam na nossa cabeça, mas nem eles a gente sabe como é por causa da quantidade de Photoshop que tem na foto”, completa.
Por conta disso, Milena conta que sua maior inspiração são as pessoas que ela está fotografando. “Eu penso muito na pessoa, eu gosto de perguntar para a pessoa como ela gostaria de ser vista na foto, como elas querem se enxergar antes do ensaio começar”.
O olhar que Paulina tem com os corpos, fez com que eu visse o meu de maneira diferente, com mais gentileza. Claro que tem dias que eu me olho no espelho e corro, mas eu descobri que está tudo bem, que eu não preciso me amar todos os dias. Contudo, eu preciso me respeitar, respeitar meu tempo, corpo e saúde mental também.