source
mulher com cabelo crespo olhando para a câmera
Pexels/murat esbitair

Ao passo que avanços ajudaram a realçar a importância do cabelo afro, ainda existe preconceito e ódio voltado a ele

No último mês, a influenciadora e co-criadora da Perifa Con, Andreza Delgado , fez um post nas redes sociais comentando sobre a dificuldade de usar um headphone sem que ele quebrasse devido ao volume do seu black power .

Ao compartilhar essa experiência, suas redes sociais foram tomadas por ataques de outros usuários, em sua maioria homens brancos. “Corta o cabelo, c*ralho”, “criatura estranha”, “ninguém manda ter bombril acima do pescoço” e “já ouviu falar em prendedor de cabelo?” foram alguns dos comentários recebidos.

Em entrevista para o iG Delas, Delgado diz que não é a primeira vez que a situação acontece. “Essas pessoas que vivem em torno de atacar as pessoas se incomodam com meu jeito e com meu cabelo. Essa galera sobrevive disso”, afirma.

Luanna Teofillo, fundadora da agência de comunicação Doorbell Ventures e CEO do Painel BAP, um painel de consumo afrobrasileiro, conta que há 4 anos passou por uma situação similar quando era executiva em uma empresa de comunicação estadunidense com filial em São Paulo.

- Anúncio -

Seu caso ficou conhecido por ter sido humilhada e demitida pelas tranças no cabelo, em estilo braids box . Quando a situação se tornou pública, a empresa a processou e, em 2020, a indenizou por difamação. O valor que ela deve pagar à empresa é de R$15 mil. “Não é uma coisa de hoje, é uma discriminação que vem de séculos. O ódio ao  cabelo afro é o ódio ao preto”, diz Teoffillo.

Andreza Delegado
Reprodução/Instagram

Andreza Delegado, comunicadora e co-fundadora da PerifaCon, sofreu ataques na última semana por conta de seu cabelo

Além de vivenciarem ataques, o que Delgado, Teofillo e outras mulheres negras têm em comum é a demora para a aceitação de seus cabelos naturais. Delgado diz que ama sua aparência e seu cabelo rosa , mas esse amor foi fruto de uma jornada de aprendizado. “Como a sociedade efetua o racismo, a gente acaba não gostando da nossa aparência, achamos que não somos bonitas”, explica.

Hoje, ela entende que seu cabelo resgata a memória do povo negro. “Usá-lo colorido, black ou trançado significa muito para mim e para minha autoestima enquanto mulher negra”, acrescenta.

Teoffillo diz ainda que consegue sentir a diferença do tratamento que recebe por parte de outras pessoas de acordo com o cabelo que ela escolhe usar, seja as tranças, o crespo natural ou o aplique. “Mesmo que eu esteja bem posicionada, todo dia passo por situações assim”. Ela afirma que se hoje existem produtos para cabelo cacheado ou a ideia de que os cabelos afro são bonitos é graças ao que ela chama de revolução do crespo .

O que é a revolução do crespo?

A revolução do crespo, Teoffillo explica, é um movimento que passou a acontecer na última década e que pauta a popularização do cabelo afro por meio de conteúdos na Internet ou em outros meios de comunicação realizados por mulheres negras. “As mulheres pretas compartilharam a cultura para que pudéssemos tratar, cuidar, assumir e ostentar nossos cabelos naturais”, explica.

Segundo ela, esse compartilhamento de conhecimentos e rede de valorização transformou a estética da sociedade inteira, além de ter chamado atenção para tratamentos aos quais os cabelos de pessoas negras são submetidos devido ao racismo. Como exemplo, Teofillo cita medidas que protegem crianças a se submeterem a alisamentos.

De acordo com o Relatório de Igualdade Capilar de 2019, realizado pela organização World Afro Day, 41% das crianças com cabelo afro já quiseram alisar seus cabelos. O principal motivo para isso é a sensação de não pertencimento no ambiente escolar. A pesquisa aponta também que uma em cada seis crianças estão tendo uma experiência “ruim ou muito ruim” na escola devido a textura do cabelo afro ou sua identidade.

“Isso significa que crianças negras e pardas ainda se sentem sob pressão no ambiente escolar devido ao cabelo liso de seus colegas de classe. Claramente é importante que as crianças recebam mensagens positivas sobre seus cabelos na escola”, afirma o relatório.

“Quando passo a entender que meu cabelo crespo é possível, aceitável e existe maneiras de tratá-lo, eu não penso em alisar o cabelo da criança”, diz Teofillo. Ao trabalhar a visibilidade desses cabelos de maneira positiva, pessoas crespas e cacheadas entendem que não existe nada de errado com seus cabelos. 

Teoffillo explica que a revolução do crespo não só modificou a visão estética e cultural acerca do cabelo afro, mas fez o mercado se voltar para eles. Com isso, as empresas de cosméticos começam a investir em produtos para cabelos cacheados e crespos, por exemplo. No entanto, a criação de soluções no mercado para pessoas com cabelo afro não veio das grandes marcas, mas dos pequenos afroempreendedores.

É o que diz Maurício Delfino, criador da marca Da Minha Cor, que vende toucas de natação, capelos de formatura e toucas descartáveis que se adaptam ao volume do cabelo crespo e cacheado. Além disso, a marca trabalha há três anos com produção de maquiagem para pele negra .

Delfino, que é administrador, afirma que percebe que o ano de 2020 apresentou um boom na produção e elaboração de produtos voltados para a pele negra. O motivo são as manifestações que aconteceram após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos , que fez o debate sobre racismo ficar mais evidente.

Ele afirma que os pequenos empreendedores negros tentam fazer esse movimento no mercado há muito mais tempo. Teoffillo concorda: “É uma questão não apenas de demandas do mercado, mas de movimentos civis. Quando você cria uma touca de natação, como no caso do Delfino, você democratiza o acesso das pessoas pretas a outros lugares”.

modelos com touca de natação
Igor Crispo

As toucas de natação da marca Da Minha Cor são fabricadas especialmente para cabelos afro: são mais resistentes e maiores para proteger todo cabelo

No entanto, Delfino afirma que ainda falta que grandes empresas se aliem aos pequenos empreendedores para garantir que esses produtos cheguem a mais pessoas. Ele diz que essa visão existe devido ao “mito de que pessoas negras não consomem” e que “produtos como os dele não têm procura”. “Todo dia eu estou fazendo nota fiscal de Norte a Sul do país. Já vendi para todos os estados brasileiros”, afirma.

Como consequência dessa visão, ele cita um estudo realizado pela Nielsen Media Research que analisa a venda de  maquiagem para pele negra no país. De acordo com os dados, o faturamento deste segmento no Brasil para produtos de pele negra é de 3%, mas poderia ser de 20% caso existisse disponibilidade. “O nome disso é demanda reprimida: a pessoa tem dinheiro, quer comprar, mas não tem o produto para ela”, explica.

Outro fator que dificulta o acesso de pessoas negras a acessórios que abarquem suas particularidades é a forma como o Brasil produz. “Minha marca nasceu há três anos pensando nas pessoas negras. Teve marca que esperou 130 anos para entender isso. Essa demora acontece porque a população negra não é prioridade”, diz. 

Democratização de acesso

Na visão de Teofillo, o consumo na sociedade atual é uma forma de expressão e de pertencimento. A partir do momento que produtos adaptados para as pessoas pretas “não existem”, logo elas não se veem em lugares que não possuem adaptações para elas. “Consumir tem a ver com representatividade e o Brasil está muito atrasado nisso”, diz.

No entanto, a existência desses produtos fazem com que pessoas negras possam se ver nesses lugares que, originalmente, não teriam sido pensadas para elas. Delfino cita como exemplo a universidade. A ideia para o capelo surgiu quando encontrou um dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, que dizia que os negros eram a maioria dos inscritos nas universidades federais pela primeira vez.

Em 15 minutos, surgiu a ideia de pensar em um cabelo que conseguisse se sustentar em cabelos crespos e cacheados volumosos. “Muitas mulheres precisavam alisar os cabelos no dia das formaturas. Então o que fiz foi colocar um tiara que segura o capelo no cabelo.

Para pessoas negras, o feedback é sempre emocionante e esse tal senso de pertencimento é muito evidente nos clientes, diz Delfino, que aponta para a necessidade de que mais produtos ajudem pessoas negras. “Para a gente pertencer, a gente precisa se ver em outros lugares”, diz Teoffillo.

Fonte: IG Mulher

- Anúncio -