Uma intervenção na lagoa conhecida como “Lagoa do Chichico”, na extensão do loteamento Palmeiras, próximo ao centro da cidade, está gerando uma certa polêmica, devido ao fato desta lagoa estar sofrendo intervenção através de máquinas. A notícia correu as redes sociais, como sendo um trabalho de revitalização do manancial. O Secretário de Meio Ambiente Lessandro Gabriel postou em seu perfil no Facebook que a obra é uma parceria da Prefeitura através da Secretaria “que tem a plena consciência de que no final da obra todos seremos vitoriosos”, escreveu.
Diversos leitores tem questionado sobre esta intervenção, alegando que uma parte da lagoa está sendo aterrada para ser transformada em lotes.
Área da lagoa foi reduzida, segundo ambientalista
O ambientalista Saulo de Castro, vice-presidente da AAPA (Associação Ambiental dos Pescadores do Alto São Francisco) afirmou que esteticamente a intervenção poderá dar bons resultados, mas do ponto de vista ambiental a cidade sai perdendo. “O que ocorreu com a lagoa do ponto de vista ambiental foi um desastre total, pois transformaram uma vereda num lago artificial. Para os moradores e o empreendedor é ótimo, pois valorizarão seus lotes e os moradores ganharão um lago, mas para o meio ambiente se perdeu muito”, afirma. Ele teme pela redução da área verde em favor do lado econômico. “A lagoa do Chichico tem originalmente 5,5 ha de área. Pelo que se pode observar ela ficará menor, com isso sobrará terreno. É preciso averiguar se a empresa pretende lotear este terreno que vai sobrar ou se toda a área vai ser transformada em um parque. No momento, fizeram uma estrada delimitando a área da lagoa, mas não é a rua definitiva. Seria bom que se fotografasse o local para ver se não vão mudar a rua futuramente, na tentativa de ganhar mais lotes. Se isso ocorrer, configurará ‘malandragem”, conclui.
Ele questiona também se o procedimento tem cobertura legal.
“Primeiramente, é preciso averiguar se a empresa possui licença para fazer o que estão fazendo. Segundo informações, eles não poderiam estar intervindo na lagoa como estão. Somente após uma análise da licença isto poderá ser confirmado”, analisa.
A intervenção está sendo realizada pelos proprietários do terreno como parte do novo loteamento, denominado “Palmeiras”. Além da legalidade da obra, técnicos questionam também o impacto ambiental que ela pode causar.
Procuramos a V8 Empreendimentos, responsável pelo loteamento, para saber detalhes do projeto e sobre as licenças ambientais correspondentes. Num primeiro momento, o funcionário Caio informou que quem estaria a par do assunto e poderia falar a respeito, seria a consultora ambiental Míryam Basilio, da Agroambiental. Nossa reportagem tentou por diversas vezes falar com ela, pessoalmente, por telefone e encaminhando e-mails com questões relativas ao empreendimento. Os e-mails não foram respondidos e não obtivemos resposta quanto a um agendamento para tratar do assunto.
Técnico contesta obtenção de licenças
Conversamos com o técnico ambiental Carlos Frederico Muchon, para termos mais esclarecimentos a respeito da legalidade do projeto e estivemos inclusive no local, onde descobrimos que a área da intervenção trata-se realmente de uma vereda, conforme havia declarado Saulo. Isso, segundo Muchon, por conta dos buritis que existiam no local (hoje restam somente dois exemplares após os demais terem sido arrancados). O buriti é um bioindicador de dois tipos de fitofisionomias, vereda e buritizal e pela legislação, a vereda é uma área que possui lei de proteção específica, pois sua vegetação é frágil e própria, além de ter papel relevante na manutenção dos cursos de água e da vida animal. Além de ser uma das principais referências de Minas Gerais (vale lembrar o romance “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa).
O técnico questiona se todas as licenças necessárias foram obtidas para promover a intervenção na lagoa. “Quando se pretende intervir em uma área de APP (Áreas de Preservação Permanente), você tem de seguir normas específicas, no caso a DN 76/2004. Para tanto e, em observância a esta norma, deve-se formalizar um processo no IEF, solicitando esta intervenção, expondo os motivos pelos quais você quer fazer esta intervenção e também, pelo fato de existir no local, intervenção em curso d´agua, haveria a necessidade de uma solicitação também junto ao IGAM, e pra ser bastante sincero, eu não acredito que esta autorização exista”, disse Muchon, que continuou: “Este tipo de solicitação de intervenção em APP é um processo moroso, que leva em torno de três anos até que haja autorização, mas não quer dizer que não se possa conseguir. Haveria uma hipótese de se realizar a intervenção em caráter emergencial sem prévia autorização, mas eu não acredito que se aplique neste caso, que é com base no artigo 19 da referida DN, mas eu não vejo sentido na aplicação deste artigo, pois não existe, em princípio, interesse social ou risco à população ou ao meio ambiente, a não ser, pelo que vemos, mero sentido estético, mas é claro que os empreendedores e a empresa que fez o projeto ambiental do referido loteamento devem ser procurados para apresentarem estas autorizações ou explicarem a desobrigação das mesmas, posto que, até a presente data, ninguém teve acesso a estes documentos e autorizações, até onde sei”, conclui.
No e-mail enviado pela reportagem aos empreendedores, foi perguntado sobre o projeto técnico e as licenças, mas como dissemos, apesar de recorrentes tentativas, não obtivemos qualquer resposta.
Loteamento é investigado pelo Ministério Público
O Jornal O Papel teve acesso ao inquérito em curso no Ministério Público de Lagoa da Prata envolvendo a V-8 Empreendimentos, empresa responsável pela obra e em uma análise nos documentos, não foram identificados quaisquer projetos, licenças ou documentos autorizativos emitidos pelo IEF ou IGAM, relativos à lagoa, tendo sido encontrada apenas uma autorização emitida pelo CODEMA (conselho municipal de defesa do meio ambiente) de Lagoa da Prata em Junho de 2014, para as intervenções e supressões de espécies nativas ocorridas na área, porém, a autorização em questão não versa sobre a intervenção na lagoa. Em agosto do ano passado, foi levada ao Conselho uma demanda da V8 requerendo autorização para desassoreamento da lagoa. O Codema deliberou pela não concessão da licença, tendo em vista que a intervenção em questão não seria de sua competência.
O que diz a legislação a respeito de intervenção em área de APP:
Segundo o art. 19, da Deliberação Normativa COPAM nº 76 de 2004, dispõe que “Em caráter emergencial, havendo risco iminente de degradação ambiental, especialmente da flora e fauna, bem como, da integridade física de pessoas, a intervenção em Área de Preservação Permanente não dependerá de autorização especial do IEF, sendo necessária somente uma comunicação oficial.”
O Secretário de Meio Ambiente, Lessandro Gabriel, disse por telefone ao repórter João Victor Lima que o empreendimento possui uma autorização da Supram. Entretanto, quando lhe foi solicitada uma cópia do documento, ele disse que não poderia enviar esta semana e que um jornal está sendo contratado para falar sobre a lagoa. “Isso é intriga da oposição”, declarou a respeito das denúncias feitas sobre a obra. Gabriel disse também que não poderá se manifestar sobre o caso esta semana por estar muito ocupado.
Nossa reportagem continuará tentando contato com os donos do terreno e abrirá espaço para o Secretário se manifestar, caso tenha interesse.