Por Saulo Resende

“No final das contas, ‘dizer sim à vida apesar de tudo’, … pressupõe que a vida, potencialmente, tem um sentido em quaisquer circunstâncias, mesmo nas mais miseráveis. E isso, por sua vez, pressupõe a capacidade humana de transformar criativamente os aspectos negativos da vida em algo positivo ou construtivo.”

Viktor E. Frankl[1]

“A imaginação [fantasiar a realidade] é a metade da doença; a tranquilidade é a metade do remédio; e a paciência é o começo da cura.”

Avicena (980-1037)

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Estabeleceu-se, desde um ano atrás (março de 2020), uma verdadeira ‘guerra mundial’ contra a grave pandemia de covid-19, um autêntico e lamentável fato humano muitas vezes experimentado na história (doença contagiosa e suas consequências esperadas). A reboque da angustiante realidade da grave doença pandêmica, também se instalou um terremoto emocional em torno de gestos e palavras que avaliam a dimensão do problema e as ações que, na visão de autoridades sanitárias e profissionais da saúde, seriam necessárias e eficientes para neutralizar ou minimizar o mal.

Desde que foram anunciadas as medidas sanitárias com vistas ao enfrentamento da ‘peste’, parte da população foi instada, quase que obrigada mesmo, a encolher-se de medo – medo de morrer redobrado pelo medo de causar a morte de outros. De um momento para outro, todos são intimados a destituírem-se de qualquer resquício coragem de que poderiam ter e entregar-se ao desespero, mesmo aquela parte do povo que opera as chamadas ‘atividades essenciais’, que não tem a opção de também temer a mesma sorte e refugiar-se.

Essa triagem, de “lógica”, no mínimo, duvidosa, mais se assemelha a um estado de neurose coletiva do que, propriamente, medidas e planejamento coerentes para enfrentar o problema. A equação é a seguinte: uns devem trancafiar-se em suas casas para não adoecer e/ou disseminar a doença, enquanto outros devem lançar-se ao sacrifício de enfrentar as ruas e os trabalhos, com o risco de adoecer e levar a doença para os que ficaram em casa.

Os arautos dos mantras ‘fique em casa’ e ‘vacina sim’; assim como os que trombeteiam o ‘quero trabalhar’, ‘quero liberdade’ e ‘tratamento precoce salva vidas’, parecem não levar em conta que os indivíduos e o mundo precisam funcionar como um todo e em harmonia. As medidas óbvias de distanciamento, no sentido de se evitar, na medida do possível, aglomerações; incentivo ao home-office para quem pode; higienização e reforço da imunidade para todos e vacinação em massa, necessitam harmonizar-se com as justas demandas por trabalho para quem não pode ficar em casa, rezar nos templos, passear ao ar livre sem aglomerações, receber parentes para visitas sociais, além da opção por tratamentos médicos por meio de fármacos que oferecem uma possibilidade de minimização de sintomas e/ou cura.

Pensar de outro modo, salvo melhor juízo, implica em não conciliar deveres e direitos relacionados às pessoas, todas iguais perante a Lei.

Mas, o caminho da temperança em meio ao pânico não se mostra fácil, senão veja-se: como conciliar os interesses e necessidades de saúde e econômicas das pessoas, cidades, estados e países, se não se consegue harmonizar sequer as teses e ações relativas aos cuidados pessoais e/ou médicos individuais e coletivos no enfrentamento da doença? Antes ou até que se precise de internação hospitalar, por incrível que pareça, ainda não há consenso em isolar, ou não, os sintomáticos e vulneráveis; manter distanciamento ou não manter distanciamento; usar ou não usar máscaras; tomar ou não tomar vacina; fazer ou não fazer o tratamento precoce.

O que se tem visto, lamentavelmente, é que, questões afetas a escolhas individuais responsáveis, associadas a medidas governamentais sanitárias e de saúde pautadas na boa gestão e boa-fé, as quais não necessitariam de debate ideológico ou politização, estão no epicentro de uma polêmica, ao que parece, suicida.

E, para piorar o que já está bastante ruim, o mundo, o país, os estados e várias cidades, parecem a mercê de uma diabólica associação que parece ser, para dizer o mínimo, um grande equívoco. O que se vê são muitas autoridades, partes consideráveis da intelectualidade, profissionais da saúde e da mídia convencional, num coro apocalíptico do ‘juízo final’, a lançarem mão de perniciosas armas psicológicas, consubstanciadas em, além de disseminar o terror, o pânico, o medo irracional, dedicar-se a minar a esperança e a coragem das pessoas ditas comuns: o povo, o povão.

  Mesmo estando todos “no mesmo barco”, muitos agora partem para a inculpação das vítimas efetivas e potenciais (os que estão doentes e os que podem ficar). Assiste-se a um verdadeiro pandemônio de imprecações, “uns colocando o dedo na cara dos outros” sob o anátema da “falta de empatia e de compaixão”. Parece, em que pese esteja no “mesmo barco”, a “tripulação rema em direções diferentes”. Nem “cabo de guerra” parece ser. E, aí, ficam todos ‘navegando’ em círculos.

O que se quer dizer é que não se trata de provar que determinado lado está certo ou errado; ou que ambos estão errados; ou, ainda, que ambos estão certos. Mas que talvez seja mais útil e sábio, ao invés apenas de se divulgar projeções catastróficas acerca do avanço da doença e culpar as vítimas (o povo), explorar vieses que possam representar esperança e alento, como por exemplo o número de curados, o ritmo da vacinação e a perspectiva de seu maior alcance no curto prazo; o comparativo com países em cujo pico, seja lá em que “onda” for, já ocorreu e agora apresentam queda drástica do número de casos, internações e óbitos.

Esperança, a realidade já comprovou, é fator que induz psíquica e organicamente uma melhor imunidade para os seres humanos. Um pouco de coragem também poderia ajudar. E, por fim, mais fé em Deus para os que creem poderia ser vital. Por que não?

Muito dessa neurose coletiva que gira em torno da ideologização ou politização da doença está na polêmica quanto ao chamado “tratamento precoce” e da vacinação em massa com poucos estudos acerca do produto. Por que isso? O que pode ser pior do que o paciente evoluir para a fase inflamatória ou morte sem tentativas terapêuticas que, no mínimo, ofereçam comprovadas e boas perspectivas de regressão ou bloqueio de sintomas mais graves? O menos pior seria, então, aguardar o agravamento da doença, esperando em casa, para depois necessitar de intubação e UTI? Não seria mais lógico que, ao lado da vacinação em massa e de medidas razoáveis e dignas de isolamento de sintomáticos, distanciando e higiene; médicos e pacientes pudessem avaliar, com os critérios necessários, a possibilidade e oportunidade de prescrição de tratamentos em que o binômio risco-benefício se harmonizem de modo a valer a pena tentar, sem politização ou ideologização do tema?

As pessoas de boa vontade, amigas da realidade e da verdade, talvez estejam necessitando se precaver de tornarem-se cúmplices dessa monumental obra de engenharia social que emoldura essa tragédia humanitária chamada pandemia de covid-19.

As tentativas de desconstrução da fé e da esperança nas pessoas, ao mesmo tempo em que se erguem altares para um cientificismo sem humanidade, parecem “não ter outro ideal senão solapar toda pretensão à verdade, até o dia em que os homens, cansados de questionar, se contentem em repousar na indiferença”.

O apelo a Deus – para os que creem – e às respectivas consciências, na busca de uma boa compreensão de tudo o que se passa nesta quadra da história, provavelmente não é má ideia, na medida em que, já dizia o filósofo, “a falsa consciência, alimentada além do limite da prudência, dana a corroer os próprios miolos de seu portador, até que ele já não consiga atinar com a lógica mais óbvia, e, como quem denuncia, por uma sucessão de atos falhos, a própria loucura, comece a cair em contradições tão óbvias que até uma criança as perceberia.”[2]

Lagoa da Prata, 6 de abril de 2021.

Saulo Resende – Advogado


[1] (In “Em busca de sentido – Um psicólogo no campo de concentração” – 51ª ed. – 2020 – p.p. 161)

[2] Artigo “Totalitarismo Cético” – O. de Carvalho – Publicado no “Jornal da Tarde” – SP – 16/10/1997.

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