O Zé era muito amigo do meu pai quando eles moravam na Usina Luciânia. Papai o chamava de “Canelão”.

Por anos a fio, toda a vez que se encontravam eram risos e histórias. Lembro-me do Zé ter ido até a cidade de Iguatama, onde morávamos, para visitar meu pai e o “Pilustrica”. Cada um contava algumas das suas e os seus encontros eram sempre regados de muita alegria e risadas.

Perguntei ao Zé o por quê do apelido. Disse-me que certa vez estava na Usina Luciânia, na vila, nas proximidades do cinema, esperando amigos para irem assistir a um filme. Para quem não viveu esta época, na Vila Luciânia tinha de tudo: supermercado, padaria, cinema, quartel de polícia, energia, água, cabine telefônica (na Usina) e tantos outros tipos de serviços comunitários. Os funcionários da Usina Luciânia ali residiam. Foi um tempo de muito trabalho. Dizem os antigos que o salário era baixo, mas tinham de tudo ali.

Passando por ali, uma viatura da polícia militar, tipo camburão, veio abordando transeuntes e moradores, indiscriminadamente. Na rua rua onde estava, abordaram três ou quatro grupos de jovens. Ele, que não tinha nada a esconder, deu dois passos à frente, na calçada, ficando rente ao meio fio, ao lado da viatura.

Segundo ele, um cabo de bigode, mais gordo que forte, abrindo a porta da viatura, foi logo colocando as mãos em seus ombros empurrando-o contra a parede, na lateral do cinema. Nada explicou e foi conduzindo ele e aos outros até a parede. Quando perguntou ao policial o que tinha feito para ser tratado de forma tão ríspida, o cabo deu uma ou duas respostas mais duras a ele, dando-lhe um safanão que jogou o seu chapéu longe.

- Anúncio -

Zé ficou indignado e soltou vários palavrões, o que fez com que o cabo voltasse até onde ele estava: discussão, empurra-empurra, e ao final o cabo desferiu-lhe um ‘bicudo’ na canela, bem no meio da canela…

Devido talvez os coturnos de antigamente terem ‘bico de ferro’, logo se formou um coágulo bem no meio da canela do Zé, um ‘ovo’ roxo que ficou muitos dias a incomodá-lo. Benzeu, colocou curativo, foi ao médico, colocou ‘arnica’, erva de santa maria e tudo aquilo que o povo dizia que era bom para o ferimento.

Aí então, cerca de dois meses depois, veio na Usina dois ou três policiais a fim de conversarem com os funcionários devido a uma notícia de que o pessoal entraria em greve. Vimos que logo mais à frente, houve uma greve na Usina, trazendo muitas modificações não só para a Vila como também para toda a cidade.

O policial, ao final de sua explanação,  buscou uma pessoa dentre os funcionários para fazer perguntas. Queria exemplificar aquilo que ele estava dizendo ao pessoal. O Zé, um tanto quanto envergonhado por estar com roupas de trabalho sujas de barro, colocando os óculos, ficou em pé mas pediu ao policial que buscasse outra pessoa, visto possuir pouca leitura, pouco entendimento.

Com voz gentil, entretanto com certa firmeza, o policial disse que se caso ele não fosse até a frente, onde estava, daria-lhe um ‘tótozinho” na canela, do qual ele nunca mais iria se esquecer.

O Zé, adiantando-se, talvez lembrando do último encontro com um certo policial militar há meses atrás, disse assim: – “Na canela não… Na canela não! ”

Desde então, todos o chamam de Zé do Milton, vulgo “Canelão”.

Histórias que o povo conta…

IJR/

- Anúncio -