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Uma voz esganiçada dispara “Calcem os sapatos! Os sapatos”, enquanto duas dezenas de mulheres ouvem atentas e buscam atender a ordem-anseio de uma personagem mulher-carne. O espetáculo “A corda, Alice”, que estreou nesta semana no Teatro de Contêiner Mungunzá, no bairro Santa Ifigênia, em São Paulo, é uma colcha de retalho de tudo isso: anseios, ordens, mulheres e carnes, num mundo e momento que insiste em exigir formas e padrões.

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Gabriela Burdmann/DIvulgação

Elenco de A corda, Alice em cena

A obra, concebida a partir de experiências relatadas por grandes nomes femininos da literatura, bem como das experiências pessoais de 20 atrizes, fica em cartaz até o dia 30 de janeiro, oferecendo socos no estômago de espectadores convidados a refletirem sobre a experiência de ser mulher no século 21.

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Com orientação de Juliana Sanches, do Grupo XIX, “A corda, Alice” nasceu de experiências imersivas de um elenco de duas dúzias de atrizes em formação que foram instigadas a explorarem as histórias de mulheres ao seu redor e de suas próprias famílias.  A  peça combina experiências pessoais e relatos eternizados de nomes da literatura como Carolina de Jesus, Simone de Beauvoir, Virgínia Woolf, Hilda Hilst e Adélia Prado. A experiência foi conduzida num grupo de pesquisa na Vila Maria Zélia, na zona leste de São Paulo. No resultado, entram em palco cinco Alices, que evocam também Pagus e Marielles para bater de frente com a corrida contra um tempo impassível a lhes oprimir e, quase sempre, confundir.

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Ao longo do espetáculo de 70 minutos, relatos reais e encenados tratam da primeira menstruação à luta contra o câncer, passando por reflexões mais etéreas, desde a ancestralidade no ato da geração de filhos até o envelhecer para além da consistência da própria pele. Os textos, que passam por discussões de autoimagem e até astrologia, são declamados por todos os lados, exigindo que o público desloque o olhar do chão ao teto e até mesmo para fora do palco. 

Não há homens envolvidos na produção – da iluminação à sonorização, o lugar de fala é exclusivo. O convite ao mundo delas, no entanto, é universal e a identificação, sem gêneros, fica ainda mais latente diante da cativante interpretação de Cacau Fonseca, receptáculo da personalidade do próprio tempo, numa brasileiríssima versão feminina do que seria o Coelho Branco de Lewis Caroll no universo da tal outra Alice mais conhecida.


Fruto do Acorda Coletivo , a peça é orgânica e, como alguns dos nomes do palco, ainda tenta se encontrar, não apenas no meio, mas na própria identidade – uma forte sugestão de que em cada estrutura e palco que o texto for apresentado, bem como a cada noite diante de públicos distintos, é possível que o espetáculo seja um outro, com diferentes resultados e impactos.

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O próprio grupo parece tentar se encontrar em cena, o que dá um caráter ainda mais natural ao conjunto, à exceção da discussão de aceitação do próprio corpo, em todas as suas formas e pelos, durante o único nu em cena, protagonizado, ironicamente por uma das atrizes que melhor resumiriam o padrão clássico de beleza socialmente aceito.

Alice poderia ser qualquer mulher e o despertar proposto em “A corda, Alice” é, de certa forma, de como a solidão de cada uma, ao deixar de fazer-lhes companhia, resulta numa sororidade tão urgente quanto necessária. É também sobre as dúvidas e tragédias diárias que encontram mais espaço para ressoar do que se possa imaginar. O espetáculo busca fazer o público, junto ao elenco, subverter qualquer que seja “a ordem natural das coisas de meninas”; e faz isso com a disposição de gente grande, com os pés no chão ou mesmo de saltos altos.


A corda, Alice

Teatro de Contêiner Mungunzá

(Rua dos Gusmões, 43, Santa Ifigênia)

Terças, quartas e quintas, às 20h

Ingressos: de R$ 5 a R$ 40 no local ou em eventbrite.com.br

Fonte: IG GENTE

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