Era tipo como valente por todos na cercania. Alto, forte, destemido. Tinha uma escopeta que andava “agarrada” na algibeira do cavalo, bem presa porém de fácil retirada pra uso. Foi chamado para ser Delegado da cidade uma par de vezes. Ele não precisava do título. Já era respeitado na comunidade, mesmo não o sendo.

Chapéu de couro bem postado na cabeça e diante dos seus mais de 150 kg, parecia imbatível. Sempre era chamado para conter bêbados e valentões. Quem via sua figura já sabia de antemão que a “parada era torta” e a maioria desistia. Quem não desistia sentia o peso do braço e já ‘amainava’ a toada. Nunca procurou briga ou confusão. Contudo nunca fugiu nem de uma nem de outra.

Não tinha o costume de andar para trás nem para os lados, fosse quem fosse, fosse contra quem fosse. Mais de três ficaram sem trabalhar vários e vários dias, vez que se puseram a enfrentar o “Ditão”. Famoso na Usina Luciânia de quando a sua implantação, famoso no Carlos Bernardes e Capoeirão, Ditão vivia a sua vida sem amolar ninguém, mas se caso ele entendesse que o caso necessitava da sua intervenção, não fugia da oportunidade.

O “Ditão” era boa gente e sistemático, calado, não era de muita prosa mas ouvia diligentemente. Gostavam dele. Vinha de família humilde, muito sofrida. Honesto e trabalhador, nunca colocou a mão em nada de ninguém. Por onde trabalhou, diziam que era muito prestativo e desenvolto. Fazia o seu trabalho sem que ninguém lhe chamasse a atenção.

Após levar um rebanho numa cidade não muito distante, Ditão passou por entre várias cercanias durante parte da madrugada e todo o dia. Entregou a sua tarefa e , já caindo a noite buscou regresso para a sua terra, para a sua cidade. Cansado, em cima do lombo de um cavalo há mais de 20 horas, trotava o animal para chegar em casa. Estava muito cansado.

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No alto das ‘sucupiras’ sentiu algo ‘lufar’ o seu chapéu e levantar a sua capa.  Na escuridão, ouviu o zumbido de algo, como se fosse uma flecha, passar bem diante do seu rosto. O barulho da passagem deste objeto zuniu nos seus ouvidos.

Reiou o cavalo a fim de ir mais rápido e pensou mesmo estar sendo acompanhado por qualquer coisa estranha. Ouviu grunhidos de um animal, pelo visto, feroz. Apavorado diante do desconhecido passou pelo meio da grota, por instinto, buscando desvencilhar-se da coisa.

Desceu a lateral da roça do seu Sebastião, estragando parte da plantação de hortaliças da Dona Genoveva, subiu o morro e instigou o cavalo pela trilha mata adentro, passando pelo arvoredo, pelos pinhais, córrego São Simão até dar na entrada da casa da Dona Lia, apeando do cavalo mas ainda em fuga, correndo, amedrontado, bateu duas ou três vezes na porta…

Dona Lia apareceu, enxotando o satanás, a má-querença, o que fosse, que estivesse atrás do Ditão. Este apequenou-se na porta da casa da Dona Lia pensando ter chegado a sua hora, colocando o chapéu no peito, rogando a Nossa Senhora que perdoasse as ofensas contra o Só Nilo, contra Jussara sua irmã e contra Gorete, esposa do seu vizinho que ele vinha travando uma conversa mole a fim de arrebanhá-la do Juvenal.

Rogou aos santos todos conhecidos e até ao “Deus dos Crentes”, dizendo que nunca mais jogaria pedras, ovos chocos ou tomates no Pastor Agripino ou no Pastor Silvano, ou em qualquer outro crente, caso fossem novamente no São Simão.

Feitas as preces, acalmados os ânimos assombrados, após a chegada de mais duas ou três pessoas que, diante do barulho e da agitação da casa, vieram ter na varanda da cozinha da Dona Lia para ver o que se sucedia, pediram ao Ditão para que este relatasse o que foi que acontecera.

Ditão, com os olhos esbugalhados, coração quase saindo pela boca, arfando o peito buscando o ar, perguntou a Dona Lia se ela tinha visto alguma coisa, ao que respondeu que não. Se havia alguma coisa atrás dele, fora quebrada pelos ramos na mão dela ou então pela sua reza.

Ditão relatou que foi um bicho de duas pernas…

Desde então, Ditão, ficou fervoroso nas rezas, frequente nas missas, não mais arrumando confusão com o Sô Nilo, tampouco com Jussara.

Agora, em relação à Gorete… Creio que ainda mais alguma assombração há de buscar as costas do Ditão para lembra-lo do 9º Mandamento.

Histórias que o povo conta…

IJR/

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