A abertura de uma rua na região conhecida como “parque dos buritis” em Lagoa da Prata, na última segunda-feira, dia 22 de Janeiro, chamou a atenção de ativistas ambientais e resultou em uma ação na justiça. Na quarta, 24, o empreendimento chegou a ser embargado. A peleja envolve prefeitura, associação ambientalista e conselhos municipais.
A intervenção
O projeto que deu origem à polêmica é a construção de um loteamento no terreno conhecido como Chácara Pensilvânia, ao lado da avenida José Bernardes Maciel, no bairro Marília. A planta original da obra sofreu diversas modificações desde que o Codema – Conselho de Defesa do Meio Ambiente, apontou inadequações na área onde ficariam os lotes, que inicialmente alcançavam parte da APP (área de preservação permanente) próxima ao córrego Chico Messias. Os membros do conselho chegaram a fazer uma visita ao local, acompanhados do empreendedor para verificar a situação. Após discutirem a questão, a empresa responsável pelo empreendimento decidiu retirar os lotes da APP e o conselho então aprovou a nova planta.
Nova rua
No projeto novo, além da correção da posição dos lotes, surgiu a ideia de abrir a rua Ceará, fazendo a ligação com a avenida José Bernardes Maciel. Segundo o empreendedor, o pedido foi feito pela prefeitura, através do Saae e das Secretarias de Obras e Meio Ambiente. O pedido foi aprovado na reunião do conselho do dia 03 de outubro de 2017.
Já na reunião do Conselho da Cidade, no dia 02 de dezembro, a abertura da via foi questionada pelos conselheiros Carlos Brasil Guadalupe e Ciro Moreira, que alegaram a possibilidade de danos ambientais. Ciro questionou inclusive a aprovação pelo Codema. O conselheiro Lindomar Santos sugeriu retirar a abertura da rua do pedido e o presidente do Codema, Junior Nogueira, recomendou suspender a votação integral do pedido. Já o visitante Frederico Muchon fez uso da palavra para dizer que o conselho tem aprovado projetos com irregularidades. Ainda assim o projeto foi colocado em votação e aprovado por doze votos contra quatro e duas abstenções.
AAPA entra na briga
A AAPA (Associação Ambientalista de Pescadores Amadores do Alto São Francisco) já havia publicado nas redes sociais que a abertura do loteamento colocaria em risco o refúgio de pássaros, da espécie conhecida como “arara do buriti”.
No dia 18 de janeiro, a entidade entrou com uma representação no Ministério Público pedindo providências. O documento originou uma ACP – Ação Civil Pública, através do promotor de justiça Luís Augusto R. Pena, que pediu a paralisação das obras e a revogação da anuência dada pelo Codema para o empreendimento.
Tratores trabalhando à noite
Na noite de segunda, 22, moradores próximos ao local perceberam a movimentação de tratores e acionaram a AAPA. As máquinas haviam aberto a passagem da rua Ceará até a José B. Maciel, derrubando diversas árvores e aterrando o local. A Polícia Ambiental foi acionada e as atividades foram paralisadas até a manhã seguinte.
Na manhã de terça, 23, as obras foram retomadas, com base na autorização fornecida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Prefeito vai à rádio defender o empreendimento
No mesmo dia, o secretário esteve na rádio Veredas, junto com o prefeito e a secretária de obras, defendendo a intervenção.
Segundo o secretário de meio ambiente, Lessandro Gabriel, a intervenção foi autorizada pelos órgãos ambientais da cidade. “Desde 2015 vimos discutindo esse empreendimento, fazendo adequações para que não haja prejuízo ao meio ambiente. A rua, além de ser uma utilidade pública, vai fazer a mobilidade das pessoas que vão estar atravessando aquela região ali”, declarou.
“Essa rua que está sendo aberta, está sendo aberta pelo proprietário, não é máquinas do município, não existe nenhuma ligação do município com essa obra, porque a obra é uma obra particular, ela foi totalmente legalizada e alguns ‘ecochatos’ estão colocando aí que nós estamos entupindo a vereda, que nós estamos entupindo o brejo, não existe isso”, disse.
De acordo com o secretário, a razão para as máquinas trabalharem à noite foi para evitar o trânsito: “Simplesmente uma parte da obra foi feita à noite porque o maquinário, na José Bernardes Maciel, que é uma rua de fluxo grande, aonde teria essa travessia de máquina ali poderia atrapalhar a questão do fluxo (…)”.
Já o prefeito Paulo Teodoro disse que as autorizações dadas para a intervenção tem a sua assinatura.
“Tudo que passa pela secretaria de obras, pela secretaria de meio ambiente ou qualquer outra secretaria, obviamente nós estamos lado a lado, somos autores, co-autores, assinamos do lado, embaixo, em cima, autorizamos. É o preço do desenvolvimento”, alegou.
“Apaixonado pelo meio ambiente”
O prefeito insistiu que a legislação foi observada e teceu elogios ao secretário Lessandro e à sua própria administração.
“No quesito ambiental, tudo observado, senão o secretário de meio ambiente não iria assinar em baixo. Sabe por que que ele não vai fazer isso? Porque é um cidadão, é um técnico, é um cara que mora em Lagoa da Prata, o nosso governo acaba em 2020 e ele continua trabalhando pelo meio ambiente aqui no município, é um apaixonado pelo meio ambiente, defende vinte e quatro horas isso aí (…) você acha que o Lessandro, que é um técnico desse ai, vai colocar o nome dele, a Anita, que é uma jovem engenheira que está à frente da Secretaria vai colocar o diploma dela por uma rua que passou ali, se não tiver totalmente legal? Eu iria colocar em risco uma administração maravilhosa como a nossa, que somos exemplo ai para o Brasil em educação, meio ambiente e tudo o mais?”, afirmou.
Na véspera do embargo, Paulinho disse que as autoridades teriam paralisado a obra, caso houvesse alguma irregularidade.
“A Polícia Ambiental esteve lá ontem. Se tivesse alguma coisa irregular eles não teriam parado máquina, apreendido operador, apreendido secretário e todo mundo não? Então não tem nenhum irresponsável, não tem ninguém brincando de administrar a cidade aqui não”, enfatizou.
Disse ainda o prefeito que está fazendo um levantamento com riqueza de detalhes de todos os loteamentos aprovados na cidade desde 2005 até 2012 para encontrar possíveis irregularidades. “Não precisa achar que nós estamos dormindo que não estamos não. Estamos levantando com riqueza de detalhes porque isso tudo vai desabar na justiça”, concluiu.
Juiz manda parar obras na quarta
Embargo estabelece multa de meio milhão em caso de descumprimento
A ação do promotor resultou numa liminar expedida na quarta-feira, dia 24. O Juiz Islon Cesar Damasceno considerou válidas as alegações do promotor de que o Codema não dispõe de corpo técnico qualificado para aprovar as intervenções, suspendendo os efeitos da aprovação do projeto pelo conselho. O magistrado ainda determinou a proibição do órgão em conceder novas licenças sem parecer técnico emitido por profissionais qualificados.
Foi determinada a imediata paralisação das obras do loteamento, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 500 mil para o caso de descumprimento. A comunicação foi feita no mesmo dia e os equipamentos foram retirados do local.
O que disse o empreendedor
Contatada pela reportagem do Jornal O Papel, a consultora ambiental da V8, empresa responsável pela abertura do loteamento, Myrian Basilio, encaminhou a seguinte nota:
“Gostaria sim, de falar que mais uma vez a empresa vem trabalhando e contribuindo com o desenvolvimento urbano de Lagoa da Prata de maneira responsável. E que o Residencial Gloria Maciel vem pra atender as expectativas dos moradores do entorno no sentido de se ocupar um vazio urbano encravado no centro geográfico da cidade”.
O que disse o Codema
Segundo o presidente do conselho, a decisão da justiça é acertada e já na próxima reunião ordinária, que acontece em fevereiro, será comunicado aos membros que as análises de processos referentes a intervenções com supressão de vegetação e parcelamento de solo estarão suspensos até a regularização do órgão.
Atualmente o Codema de LP conta apenas com a assessoria de uma técnica ambiental, integrante do quadro de funcionários da Secretaria de Meio Ambiente e que atua de forma voluntária no conselho. “A prefeitura precisa estruturar o Codema com uma equipe técnica multidisciplinar para dar segurança aos conselheiros nas suas votações, ou poderá consorciar-se com outros municípios para isso. Outra opção que iremos analisar é a transferência para o solicitante dos custos dos estudos que precisam ser realizados antes de qualquer aprovação”, disse o presidente.