Aos 18 anos, Luana*, vivia uma vida normal para uma adolescente no interior de São Paulo. Tinha acabado de terminar o ensino médio, estava apaixonada pelo seu namorado Antônio* e estudava aduarmente para entrar na faculdade de Direito, que era seu sonho.
Estudava tanto que nem percebeu que sua menstruação estava atrasada. Ela achava que era estresse por conta do vestibular, mas mesmo assim fez um teste por precaução e levou um choque ao descobrir que estava grávida.
“Eu tomava anticoncepcional, mas eu tomei um antibiótico na época e não tinha a mínima ideia que isso cortava o efeito do remédio”, conta em entrevista ao Delas.
Luana relata que, mesmo ficando sem reação ao descobrir a notícia, decidiu que prosseguiria com a gravidez. “Eu era muito jovem, não tinha nem ideia e nem queria ser mãe”, relembra.
Hoje advogada, casada com o namorado da época e com a filha de 10 anos, Luana conta que a gravidez a deixou traumatizada, pois achava que era muito nova para ser mãe. Ela ainda revela que não tem fotos da gravidez.
“Não gosto nem de lembrar, eu sentia muitas dores e eu não acreditava que isso estava acontecendo comigo. Só caiu a ficha depois, quando estava com minha filha nos braços”, relata.
Cinco meses após o nascimento da filha, Luana começou a sentir fortes enjoos e desconfiou que estava grávida de novo. Ela e o marido estavam tendo relações sem nenhum método contraceptivo, pois, naquela época, a jovem achava que era impossível engravidar enquanto estivesse amamentando. Então ela comprou outro teste e o que mais temia aconteceu: ela estava grávida novamente.
“Eu não tinha nenhum psicológico para isso, eu não pensei duas vezes e decidi que iria abortar. Eu não quero aquele filho, eu pensei. Vou abortar nem que eu morra junto. Até hoje eu penso assim”, explica em entrevista.
Tudo sozinha
Luana decidiu que faria o procedimento todo sozinha. Ela procurou um pouco na internet e viu que havia um remédio que causava fortes contrações e o tomou. “Eu abortei sozinha mesmo. Tomei o comprimido e pensei ‘seja o que Deus quiser’”.
Lilian Fiorelli, uroginecologista e especialista em Sexualidade Feminina, colaboradora da Plataforma Sexo sem Dúvida explica que os riscos de fazer o aborto dessa maneira são milhares e que esses remédios são vendidos no mercado informal e causam contrações uterinas muito fortes.
“O primeiro risco é a mulher não conseguir fazer um aborto e causar má-formação genética gravíssima. Outra possibilidade é que ela consiga fazer o aborto parcial e deixe restos dentro do útero que podem gerar infecção uterina e que podem levar à retirada do órgão. E o último caso é ela conseguir fazer o aborto total, tudo sair, mas ela ter uma hemorragia muito forte que pode levar à morte. Isso para abortos provocados com comprimidos”, acrescenta a uroginecologista.
Luana diz que na hora das contrações deitou no chão do banheiro agonizando com a dor causada pela medicação. “Eu passei por tudo sozinha, não contei pra ninguém porque se contasse pro meu namorado e pra minha família eles me forçariam a ter. Não era decisão deles, era minha, e ia sobrar tudo pra mim. É muito fácil falar ‘você tem que ver o filho’, mas ninguém vai te ajudar se você tiver passando por alguma necessidade”, relata a advogada.
Riscos
No Brasil, Lillian Fiorelli explica que o aborto só é legalizado em três situações: Se a mulher corre algum risco de vida por conta da gestação, se ela foi estuprada ou se o bebê é anencéfalo, quando a criança tem o cérebro subdesenvolvido e o crânio incompleto.
Mesmo assim, só no primeiro semestre de 2020, segundo um levantamento feito pelo G1 com dados do DataSUS, em todo o território brasileiro, o número de mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), foi 79 vezes maior que os abortos que são liberados pela lei.
De janeiro a junho desse ano, o SUS fez 1.024 interrupções de gravidez legais em todo o Brasil. Nesse mesmo tempo, foram feitas 80.948 curetagens, processo para a limpeza do útero feito quando a gravidez é propositalmente interrompida.
Hoje, depois de tudo que passou, Luana diz que é a favor da legalização do aborto. “A mulher vai continuar arrumando um jeito de fazer o aborto. Já ouvi casos, inclusive, de mulheres que enfiaram uma agulha de crochê para interromper a gravidez. Para a mulher fazer algo seguro, tem que ter um acompanhamento psicológico para ver se ela tem condições de ter um filho, porque não adianta nada a pessoa ter o filho e ela e a criança sofrerem depois”, encerra Luana.
*O nome foi mudado a pedido da entrevistada